sábado, setembro 30, 2006

(Não) temos livros

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Sempre me encantei a ver aquelas bolinhas, tão bem alinhadas e inimigas dos alunos das baldas que as tinham que decorar. A ousadia de Copérnico, o bater pé de Galileu espelharam-se nos movimentos circulares que Aristóteles deu no túmulo. Uns dizem uma coisa, outros dizem outra mas ambos têm que admitir que caem à mesma velocidade. A lei dos corpos é excêntrica, quase que nos dava na gana de jogar as ditas bolinhas torre de pisa abaixo para que elas caíssem certinhas, ao mesmo tempo num livro escolar que todas as crianças pudessem ver. A eito da luneta astronómica do mestre. O telescópio, que os meninos olham e imaginam que bolas de sabão podem nascer de uma simples espreitadela. Os planetas.
Mercúrio é o que parecia girar mais rápido que qualquer outro planeta. O Paulinho também é o número um em atletismo, corre mais que todos os outros meninos. Há dias, como um foguete, escoou-se, de noite, nas avenidas à procura de comer nos excedentes lixos dos monstruosos prédios urbanos. Chegou cansado e sem livros à escola, mas ele é um campeão, o veloz, ninguém lhe ganha.
Vénus, estrela d’alva, de rotação retrógrada, mas o mais brilhante depois do sol e da lua. A Aninha nasceu com uma grave deficiência que não lhe permite andar. Na segunda-feira quis sorrir numa montra de brinquedos num centro comercial de Lisboa e uma escadaria deixou-a a poucos metros de sonhar, afinal ela nem ia comprar nada...Fez marcha atrás e de cadeira de rodas perdeu-se nos jardins do parque onde a avó simulava dar migalhas de pão aos pombos. A Aninha vai à escola, não leva mochila mas é a aluna mais brilhante da turma. “Esta miúda tem uma cabeça!”. Epur si Muove! *
Terra, essa bela bola e esplendorosa contadora de histórias. Vou ali e já volto...E quando chegar trago outra história triste para contar...
Marte assemelha-se a uma gota de sangue. Babilónios, gregos e romanos nomearam-no deus da guerra. O Joãozinho lá do bairro também é vermelhinho, já conquistou becos e avenidas, é o dono da rua, um incrível guerreiro. Há uns dias apoderou-se de todos os animais abandonados e coloco-os à porta duma instituição, gerou-se a III Grande Guerra Mundial. “E agora dêem um pontapé nestas bolas de pêlo, vejam lá se são capazes! Mas estas não são da Nike aviso já.” Disse, antes de ir embora com um olhar muito mau, aliás ia furioso. O Joãozinho começou as aulas mas não tem livros escolares.
Júpiter e Saturno, o grande e o belo, um de núcleo gelado e corpos rochosos e o outro de anéis mas das mesmas matérias, como chá e leite numa mistura à inglesa e ao lanche. O Buchinha e o Estica são inseparáveis, uns diabinhos que cheiram os manjericos das vizinhas, empurram os sapatos da janela do Ti Joaquim Sapateiro, puxam os rabos da gataria, bem já estão a ver que são terríveis e não vivem um sem o outro. Já agora leite e café fazem uma combinação maravilhosa, sente-se. Mas se em vez de lhe pormos açúcar despejarmos umas colheradas de pimenta, morremos com uma careta sobrenatural. Foi o que eles me fizeram. Monstrinhos. Também vão para o ensino, não têm canetas de feltro nem nada. Quando entrarem num estádio de futebol, daqueles que são construídos com milhares de euros, eu sei que vão vandalizar as cadeiras, escrever as letras e fazer os desenhos que não fazem nos cadernos e nas folhas de papel cavalinho...
Urano foi registado inicialmente como uma estrela. Posição inclinada, quem sabe, resultado duma colisão. Há um Menino que vive perto duma aldeia alentejana, durante o dia esconde-se num buraco, não fala, não ri, não faz nada, sofreu a colisão duma família alcoólica e violenta. Nem que o Pauleta se pusesse lá, feito maluco, aos pontapés a uma bola de queijo ele sorriria. Se um amigo meu vê este inferno, quase todos os dias, e me perguntou como denunciar esta situação? Onde está a Solidariedade Social? Que chatice vamos é falar de Maomé como fez Bento XVI e gerar mais um pouco de caos e buracos mundanos. Crateras. O Menino alentejano é uma estrela cadente e não vai à escola.
Neptuno é o planeta das tempestades e da bruma, tão longe do sol. Patricinha toma conta de duas irmãs pequeninas, hoje já fez o almoço, lavou a loiça que serviu comer a 8 pessoas, limpou o pó, varreu o chão e levou uma tempestade de estaladas porque partiu um copo (pois lá diz o velho ditado quem menos faz menos erra). Ontem Patricinha entrou na Junta de Freguesia da aldeia e foi perguntar onde estavam os ecopontos pintarolas que os catitas meninos da TV idolatram. Ela já separa o lixo mas vai à escola e não tem livros.
Plutão recebeu o nome dum deus romano do submundo. E curiosidade, poucos sabem que foi Fernando Pessoa o responsável pela sua introdução nas cartas astrológicas. Plutão é regente de Escorpião o signo do Luís Miguel um rebelde com um pouco de todos os meninos que por aqui passaram, não teve comida, não teve brinquedos, não teve livros, mas teve e tem sonhos, trabalha de dia e de noite. As aulas começaram e há duas semanas realizou um sonho antigo: aos meninos pobres da sua rua ofereceu os livros escolares. E disse-me que foi maravilhoso ver-lhes as caras felizes com as toneladas de enciclopédias às costas. Trocou um punhado bem valente de euros por sorrisos de crianças. Estes meninos já têm livros. Mas esperem! Plutão foi banido do sistema solar !!!!! Mas nos livros ele ainda está presente. E quando já não figurar no sistema solar dos ensinamentos continuará na via láctea onde permanecerá para sempre.



* ”Reza a lenda que, ao sair do tribunal após sua condenação,[Galileu] disse uma frase célebre: "Epur si Muove!", ou seja, "contudo, ela move-se", referindo-se à Terra.”
In Wikipédia


Hoje sirvo Asas de Anjo
Ingredientes :
1/2 dose de aniz
1/2 dose de xarope de morango
1/2 dose de licor de ginja

Preparação:
Ponha os ingredientes num cálice alto de licor, na ordem em que foram enumerados, cuidadosamente, para que não se misturem e sirva.

domingo, setembro 17, 2006

Depois de Amanhã

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À Cleópatra porque para ela não há depois de amanhã


Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
(...)
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...


Álvaro de Campos



Quantas vezes se dirigiu Bosie ao cárcere de Oscar Wilde? Mudos seremos quando quisermos surpreender uma resposta. De Profundis e uma alma serena que por detrás de ferros escrevia ao seu amor do qual esperava uma aparição. Dependência gera desconforto, a fragmentação humana como um puzzle onde faltam peças. Wilde era um dependente de amor, como dependentes são aqueles que num jogo excêntrico onde Quixotes e Panças amortecem as quedas em roletas, deixam à mercê dos glutões do Presto toda a sua vida. Tapava a cabeça e destapava pés, tapava os pés e destapava a cabeça num lençol inútil que não acalentava o corpo. Mas há mais quem cubra o rosto e num trivial retrato também cobre os restantes membros, mas aqui há pano de sobra. A quase um metro do chão amordaçam-se actos sucessivos duma tragédia, com grades e tudo, e um cheirinho verdadeiro a hospital ao pequeno-almoço, ao almoço e ao jantar. Os sentimentos guardam-se em ampolas de desespero, dor e muitas saudades. Escaras de decúbito por ossos rente à carne e pressões obrigatórias. Seriam utopias se todos fossemos humanos. Estado nutricional debilitado, humidade, falta de asseio, excesso de calor ou frio remexem-se em camas de madrugadas sem creme hidratante ou anti-séptico. Como animais abandonados são deixados acamados, idosos e inválidos e a acompanhá-los contactos falsos e suores que os transformam numa metamorfose de Kafka. E ei-los a olhar para os moinhos de vento sem Dulcineia, com apenas Mercúrio que os presenteia com mensagens do nada. O mensageiro dos Deuses também nunca trouxe nenhuma carta de Bosie a Wilde, mas Wilde escreveu-lhe até aos últimos dias da sua vida. Pois o amor não tem tempo e perdoa a ausência. A ruptura com o quotidiano desencadeia um deficit com o globo terrestre, acaba-se a autonomia, desfazem-se as certezas, os seus ecos rodopiam nos leitos ao lado: são estes os retalhos dum acamado. Por detrás da coberta: Tenho sono como o frio de um cão vadio*. Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança. O meu cansaço entra pelo colchão dentro. Doem-me as costas de não estar deitado de lado. Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.** Mas esperem... Há quem os despreze mas há quem os queira embalar... Um dia dirigi-me a uma instituição num portugal de pequeninos e ofereci os meus braços e o meu tempo. Deixei a minha inscrição para voluntariado depois de perder um par de horas a conduzir velhotes pelos corredores com medalhinhas do Doutor Sousa Martins em riste e muitas palavras já com traça nos roupeiros da memória. Absentismo familiar. Básico. Mais tarde voltei a oferecer, a minha alma a outra instituição de renome internacional. Na televisão as estrelas e as tias a dar chá aos doentes, num show cadavérico e esquecido, para algumas, um café depois. Aqui vendem-se almas. E eu aguardo, aguardo, desespero... Mercúrio tem passado e também não me traz respostas das instituições onde depus as minhas asas... Ninguém me chama, acho que já lá vão 43800 horas... Mas um acamado necessita mudar de posição de duas em duas horas... Quem se eu gritasse, entre as legiões de Anjos me ouviria? ***
Uma pequenina menina, a Cóquinha, não esperou, agarrou no pai, deixou tudo e dedicou-se a ele tendo como pano de fundo uma cama. Papas, hidratantes, almofadas, fraldas que nos fazem rabo de pato, fé, vontade, consciência, humanidade... Um MITO... Houve uma hora em que Yeats disse a Wilde: "Invejo os homens que se tornam um mito ainda em vida". Ao que ele respondeu creio que um homem deve inventar seu próprio mito"... Pois é. Mas, depois de amanhã. Há quem espere pelo depois de amanhã para se inventar... A Cóquinha não esperou...


Citações
* Alvaro de Campos in Adiamento
** Alvaro de Campos in Insónia
*** Rainer Maria Rilke in Primeira Elegia


Hoje sirvo Coktail Beijo de Anjo
Ingredientes :
1/2 dose de licor de cacau
1/2 dose de licor de ameixas
1/2 dose de aniz
1/2 dose de creme de leite fresco

Preparação:
Ponha os ingredientes num cálice alto, cuidadosamente, para que se não misturem e sirva em seguida.

sábado, setembro 16, 2006

Sol

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Pela minha fanática residência no jornal Expresso durante dois anos e meio, hoje percebo porque acordei e o dia tem um brilho diferente.

Não digo que vou ter esperança, porque tenho em mim todas as certezas do mundo.

Parabéns ao semanário SOL e a toda a sua equipa.

sábado, setembro 02, 2006

Pão com Dedo

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Ao Sr. Jorge Saudades com carinho


É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio...

Álvaro de Campos


Amélie Poulain acostou-se a Montmartre, lugar de cultos ambiciosos e artísticos por onde espreitam gauleses a colina de gesso. Na sua caixinha os sonhos de muita gente, uma guarnição de legionários romanos e a poção do druida Panomarix. Um mix recambolesco à Ponson du Terrail. No bar Degas agitando O Absinto, Cezanne compondo os retalhos do Arlequim, Monet em Estúdio Flutuante, Van Gogh entre Lírios e os Quatro Girassóis, e Renoir de pensamento em La Moulin de la Galette(claro). Na parede em auto-retrato um monte de anjinhos que esconderam as asas e vieram entornar uma Super Bock green. Sem dúvida, deslocaram-se ao sítio certo... Do outro lado da rua a tabacaria, uma pilha de jornais e alguem que conquistou todo o mundo antes de se levantar da cama... e é para lá que Amélie olha, apesar do bar carregado de celebridades. Que importa os célebres se existem pessoas que tem em si todas as histórias com coração, sim coração, porque a maior parte da gente não tem nada ali naquele avenida central do tórax. O jornaleiro saiu da caixinha de Amélie e duma rua de Lisboa, na mão um auto de exame médico, um filho politraumatizado, mais quatro crianças, a esposa e um pacote de Maizena para o jantar. “Aos trinta dias do mês de Agosto de 1993”... “Aos trinta dias do mês de Agosto de 1993”... Uma grua empurrou-lhe o filho e nada se fez... como nada tinha o pão que engolia com dedo para poder carregar as muitas toneladas de prédios alfacinhas. Hoje é jornaleiro mas tem nele muito cimento, ou será, sofrimento? Não. Ele tem é muita tolerância. E dantes não havia isto do trabalho temporário em Portugal, agora é mais sofisticado, faz-se um seguro às pessoas (que boa ideia), até se fazem descontos (excelente) e permanece-se fantasma para sempre à estalada, de contrato a contrato, mês a mês para toda uma promessa. E sabem que mais ? Os donos das empresas de trabalho a tempo definido, por acaso, até são administradores de grandes empresas marteladas neste país à beira mar suplantado e que dão emprego a tanta malta (rendo-me). Ciclo vicioso ou ciclo ambicioso bem dizendo e sofisticando a coisa. Anda t’ai Portugal, Cardoso e Cunha e a falência prometida (“aventura ruinosa” chamou-lhe a Visão esta semana). Um offshore empresarial num shaker de ideias iluminadas. Até contratamos o Professor Pardal e ficamos tão felizes. Temos pena diriam os Morangos com Açucar... Amélie serviu as celebridades e olhou de novo para o jornaleiro... 11 de Dezembro de 2000 e “nos termos do artº 277 do Código de Processo Penal, foi proferido despacho de ARQUIVAMENTO” (em letras grandes, nada de cepticismos). E passaram-se tantos anos parece que todos os dias é o primeiro dia do resto das nossas vidas. Haaaa....... O Sr. Engenheiro caiu do cavalo mas jurou a pés juntos que caiu ai numa obra qualquer, enquanto fiscalizava as toneladas de uma grua (ai seguros para que vos quero). Acidente de trabalho... nada que não se folheie nos arrais deste oceano. Esqueci-me de dizer uma coisa, o filho do jornaleiro também ajudava a pôr a migalha da Maizena em cima da mesa. Do outro lado da rua um sorriso e um agente principal da circulção do sangue (un grand coeur). Amélie retalha a calçada, olha o jornaleiro e estende-lhe uma tosta mista, para dizer a verdade sentiu-se tentada a oferecer-lhe a poção do druida Panomarix mas deixou-a sossegada para dar luta aos legionários romanos (afinal temos que lhes dar um bocadinho de controvérsia ). Acabou-se o pão com dedo e o comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!* Volta em direcção ao bar mas de repente olha para trás e grita: "Haaa, Sr. Jorge, já me esquecia! Essa tosta foi o seu filho que pagou..." E piscou-lhe o coração...


*Citação de *Álvaro de Campos in Aniversário


  • Para inglês ver... Acidentes de Trabalho pela Inspecção-Geral do Trabalho

  • Sinopse do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain


  • Hoje sirvo um Batido de Frutas
    Ingredientes:
    1 chávena de leite de soja
    1 colher de chá de extracto de baunilha
    2 laranjas grandes descascadas e descaroçadas
    1 banana grande descascada
    5 cubos de gelo

    Preparação:
    Colocar tudo dentro do copo de batidos e bater até ficar homogéneo. Serve-se de imediato.