segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Sinto-me como se estivesse em jejum

Photobucket - Video and Image Hosting


A razão porque os fantasmas abandonaram os velhos castelos da Escócia é porque as pessoas deixaram de acreditar neles

Gilbert Chesterton



Disse-me um passarinho que vens de estrada desmentida, após Santiago de Compostela, e que enquanto não chegares não vais descansar. Paras apenas no bar dos caminhantes e Templários de outrora. Mastigas um bocadillo de qualquer coisa e disparas em cartucho um Cristo cigano. No semblante trazes a Arca da Aliança e os seus poderes mágicos que respiram num incensário fatídico onde o teu dragão queima a espada de S. Jorge. Escalaste a intempérie, salvaste a fera porque não te lembras nunca de ter sonhado. A fera disse que queria ser como tu, tal e qual um filho fiel e passou a perseguir-te em adoração terrena. Cheira-me aos teus deslavados adeus, aos pensamentos de ligas e meias de renda em delírios azuis contrastando com o negro que te ficou das ruas. Na minha mesa-de-cabeceira reina a tesoura aberta para cortar os sonhos maus e a imensidão da princesa que sonhei ser para que o teu dragão me resgatasse. As lendas saltam os santos como se o caminho te despoja-se de Monsanto e da marginalidade que te feriu o ego e as ausências de um mimo. Fere-me a saudade em ponta de faca e proa de homem livre que nunca se deixou apanhar. Vieste dum hórreo* exclusivo de pedra e guardador de cereais do melhor exemplo que se encontra na costa atlântica. Lá guardaste os 40 papo-secos onde miúdos como tu matavam a fome com um pacote de margarina Vaqueiro que era mais barato. Lembras a mal cheirosa gataria da vizinha, o desvelo, o desmembramento do puzzle de menino que eras. Fugiste mas nem isso te deixou sozinho, onde passaste ficaram os teus desejos contrafeitos. O furto ou o rapto do Requiem sublime de alimentações que matavam a fome aos teus. Não sonhavas ser Doutor como qualquer menino, juntavas apenas pedras do imenso caminho. Juntava-las nas costas e ias escondê-las para lá da gótica Puente de la Rabia que segundo reza a lenda espanta os cães raivosos. Ali nunca te enfeitiçou as relíquias de Santa Quitéria, isso deixaste para os Vikings mais atrevidos que marejavam no caminho e surgiam do rio Ulla. Hoje construiste um castelo como o de Ponferrada, creio, dele expulsaste o arcanjo da caminhada, mandaste-o fumar uns cigarros de barbas de milho que só os teus fantasmas fumam. Cedeste-o a outro caminhante. Sentas-te, como sempre no chão, era assim que espantavas “o querer ter e não ter” nas saídas de ar quente do metro e nos consílios dos deuses de fachada e senhores. A estes nunca lhes lavaste os pés, arranjavas-lhes os motores dos topos de gama aos quais as Finanças tapam os olhos tal e qual a representação da Justiça. Há que seguir os bons exemplos... Observas os crimes do Padre Amaro e és capaz de os detectar à distância. Crimes soft que os grandes, em sofá de ouro, comandam. Aqueles que depois também dizem “Não” à despenalização do aborto, para de seguida afogarem as mulheres, em fato Chanel, nas chiques clínicas de Espanha. Chamas-lhes cães raivosos que querem os castelos em bandeja de prata sem nunca saberem o quanto pesa uma pedra. Deixas para trás os “tiraboleiros”** que manejam com perspicácia o fumo e os incensos e lembraste do Sr. Comandante, ai duma corporação qualquer, que ficou com metade das horas ganhas por um bombeiro paraplégico a título de contribuição... Que eu saiba contribuímos
com aquilo que queremos. É por isso que olho o futuro e sinto-me sempre como se estivesse em jejum. Um jejum pertinente. Derramo o meu recipiente em espírito e conhecimento. E espero-te para que me leves a Compostela, que me perdoe o santo mas vou sem nada no estômago. Por aqui os lugares são para outros santinhos. Resta-me a ânsia de partir. Pedi-te que me ensinasses a alinhar pedras e por isso vens de S.Cristovão a tiracolo porque no fundo, no fundo o criminoso volta sempre ao local do crime. No espelho esse valor que não sabes dar a ninguém só ao motor que te exalta. Vens porque há uma pedra que só eu conheço - disse-me um passarinho ai pelas 4 da madrugada. Sim a essa hora! A hora a que os passarinhos cantam aqui pelo Alentejo.




*São em sua maioria excelentes obras de cantaria que unem fortaleza e beleza. A razão de ser dos hórreos é a de guardar a colheita em lugar ventilado para permitir a secagem de alguns produtos agrícolas.

** A origem da palavra “tiraboleiro”, está vinculada ao latim “thuribulum” que significa “lançador de fumo”. Homens que manuseam o incensário.




LINKS

  • Caminho de Santiago de Compostela



  • BAR

    Hoje sirvo Champanhe Sidecar

    Ingredientes :
    1/2 de conhaque
    1/4 de triplo seco
    1/4 de sumo de limão
    Champanhe

    Preparação:
    Misturar os ingredientes num shaker,gelar, deitar num copo de champanhe e completar com champanhe.