domingo, março 08, 2009

Crónica de Filha em Carnavais de Betão e Dias de Cão


Escreve. Seja uma carta, um diário ou umas notas enquanto falas ao telefone, mas escreve. Procura desnudar a tua alma por escrito, ainda que ninguém leia; ou, o que é pior, que alguém acabe lendo o que não querias. O simples acto de escrever ajuda-nos a organizar o pensamento e a ver com mais clareza o que nos rodeia. Um papel e uma caneta fazem milagres, curam dores, consolidam sonhos, levam e trazem a esperança perdida. As palavras têm poder.

Paulo Coelho


Lápis de cor amontoados num mikado colorido. Retiro o suspiro de Carnaval que desceu a Avenida. Achei-o cinzento. Achei-o da cor com que o meu pai me pintou a eterna cobrança da perfeição. Um mal danado de um chove não molha de pressão psicológica. Refrão de angústia que Jobim cala quando o idolatro em mais um transplante de alma falhado. Olhando, dez mil anos antes de Cristo, sem coros de igreja, homens, mulheres e crianças reuniam-se mascarados para espantar os demónios que cortavam os pulsos sobre as suas plantações. Levados para a cama pela fome de jantar posto na terra, eram sorvidos pelos de sangue azul. [Agora é o mesmo]. Não havia jardins. Reservavam-se flores para Babilónia. O corso destinava-se a sobrevivências. A origem do Carnaval é obscura, fez-me crer o patriarca. Dum religioso primitivo pagão que homenageia o, para ele, assustador Ano Novo e algo mais, o ressurgimento da natureza. Fingimento montado em andaime certificado. Será? Edificava-se a exigência e o desconhecimento do mundo. O enjaulamento na escola, o carreiro certo sem desvios, nem para entrar na livraria a cinco tostões de levar uma tareia do Rei Momo. Um dia a professora primária carimbou-me o A4 com o “X” e um xaile carnavalesco para que eu desce-se nele, e em linha de vida, um algeroz de canetas de feltro. Agarrei num lápis cor de burro e zumba fiz desaparecer o manto, sei porquê. A alma, num antónimo provocado, traía-me. Companheira de guerra dos meninos, em confettis desbotados, carimbou-me a régua as falanges e as falangetas de dor. Nestas horas desejava ter mãos de tesoura e cortar a minha paixão louca por sorrir um pouco. Gostava de rir, mas a expressão folia dos lábios era abalroada em papel de parede claustrofóbico de um quarto de poucos metros quadrados que usava para fugir. Na rádio local espevitava-se a esperteza saloia e em reclames da época avivava-se o Pierrô de traços andróginos e anjo do bem. Via Columbinas de Veneza, [vejo Columbinas bailarinas fúteis,] simbolizando a Terra equinocial em dias de amores ilícitos. E o tentador Arlequim italiano de desejos e tentações realizados na protecção do anonimato das máscaras. Estranha forma de vida*. Num bluff predador, não me era permitido ter amizades. Proibidas as pulseiras de trapo e linhas. Proibida a televisão, a música, o vídeo, proibidos os posters, os passeios, a praia mesmo à porta. Só me lembro da tabuada decorada para não apanhar. Parecia que andava sempre com um ovo estrelado na cara e os números prontos a serem disparados da boca. Amarela, na catequese, desenhava o único trajecto permitido. Percurso até ao conclave, num Bispo traçado, que também enganou, enquanto o Diabo esfregava o olho. Lés a lés, código do divórcio, apaguei os dias especiais. Nada de dias do pai, dos anos, dos namorados, da mulher. Ficou-me os dias de cão sem chocolates, nem pastilhas, nem amor. Diários medidos a metro e em buracos de balas ainda alojadas e a granel na minha Tucha (a Barbie do meu tempo) das brincadeiras. As serpentinas foram enroladas no homem autoritário que chamei ignorante por conta própria. Pois viver é a coisa mais rara do mundo **. E ontem saí para a rua, cancelei o stand-by, senti-me uma pita de 6 anos no meio do cortejo da terça-feira, feriado facultativo dos corsos e grémios de loucura. E transpus a Directiva carnavalesca do obrigatório sorrir. Continuo a não ter mãos de tesoura, nem tencionei atirar ovos e guaches dos tempos idos, esses ficaram no banco dos réus. Digitei a password que me permitiu a dimensão actual. Correndo o risco de encontrar o Rei Momo, olhei os meninos da escola e da creche descendo a rua principal. No meio daquela gente toda, vi-me e encontrei-me… De sorriso amarelo, uma menina mascarada descia a rua, traje a combinar com as teorias de evolução de Darwin. Em directo para a rádio local, o locutor gritou, depois de dizer o nome da escola: Não posso acreditar! Vai aqui uma princesa... Uma princesa com uma pistola na mão!!!!!!


*Amália Rodrigues
**Oscar Wilde



BAR

Hoje sirvo:

COM ÁLCOOL
Long Drink Flamenco

Ingredientes :
2 doses de Campari
3 cl de Vodka
Espumante
Gelo

Método de Preparação :
Junte o Campari e a Vodka num copo alto, acabe de encher com o espumante e mexa rapidamente com uma colher.


SEM ÁLCOOL
Batido de Abacaxi

Ingredientes :
1 abacaxi
1 lata de leite condensado
2 garrafas de guaraná

Método de Preparação :
Bater tudo no copo de batidos.
Passe por peneira fina.
Servir bem gelado.

MÚSICA

Sirvo ainda: Elis Regina- É com esse que eu vou . Para ouvir coloque em pausa o Music Playlist abaixo.

32 comentários:

Marta Vinhais disse...

Um texto profundo, para meditar...
Nunca esquecer...As dores ficam sempre enraizadas; apenas se diluem no tempo....
Gostei da música e da citação do Paulo Coelho - escrever ajudar a esclarecer o que temos cá dentro escondido, num nó...
Bom domingo
Beijos e abraços
Marta

pico minha ilha disse...

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......../....-“.)..\
........\,---“`...\\
....._.;_“.-._ COM CARINHO

Neste dia da mulher.Beijinhos

zé joão disse...

sim o carnaval de betão,é o nosso carnaval de todos os dias,é saber quem tem mascara e nao a tem,e quem de tanto andar de mascara,caraça ela se empreguenou na pele e agora nao sabem que a têm.nao sabem se sao mentira ou verdade.e nós potenciais vitimas tambem nao sabemos.belo texto améi e amo

Rafeiro Perfumado disse...

O pessoal que escreve nas paredes do WC leva aquele pensamento à letra, ou melhor, ao azulejo!

Nuno de Sousa disse...

Olhe por favor estou espera do meu drik :-)
Enquanto espero vou admirando o que tão bem escreve e os belos post bem construido que por aqui tem... a musica... hummmmm fantástica.
Bjs e uma boa noite para si e um resto de um bom dia,
Nuno

Cotovia disse...

...passei por lá. Gostei muito da maneira como te exprimes.


Saio daqui bem servida e prometo voltar a repetir...

:.tossan® disse...

Textos bom não chateia a leitura.
Bebo 1/2 Campari com 1/2 Vodka há tempos, com espumante não sei se o meu fígado aguenta. Bj

vieira calado disse...

Um beijinho para si

neste dia da Mulher.

José Carlos Brandão disse...

Salve, Princesa. E vivam os nossos carnavais. A vida é um eterno carnaval.
Ouvi Elis Regina. sempre ouço Elis.
Degusto de longe o seu drink.
Beijos.

Paulo disse...

Boa semana....

Beijo

Paulo

Anónimo disse...

Passo para deixar um beijinho e desejar uma boa semana. Jocas

zeladorpublico disse...

Bem me petecia agora esse tal de flamenco...apesar de já ser algo tarde...quanto ao resto, gostei e boa semanada ai pela costa vicentina..e cuidado com a segurança...tudo de bom

Cadinho RoCo disse...

Mas este bar é muito especial.
Cadinho RoCo

Maré Viva disse...

Escrever é uma catarse, limpa a alma e tu escreves muito bem.
É bom vir ao teu bar, não fosse ele o bar do anjo.

Até à próxima! Entretanto fico a ouvir a Ellis, "com esse eu vou desabafar na multidão,"e se ainda tiver restado algum, soltar mais um sonho...

Beijos.

Mário Margaride disse...

Mais um belíssimo texto! Com a profundidade e sentido, que muito bem sabes dar.

Mas antes de sair, bebo à tua saúde.
Tchim! Tchim!

Beijinhos

Mário

Fernando Santos (Chana) disse...

Olá, belos textos...Espectacular....
Beijos

vida de vidro disse...

Tive duas prendas, por aqui: o teu texto e Elis. Maravilha!**

poetaeusou . . . disse...

*
meditativo,
como só tu sabes escrever,
,
grato fico,
,
conchinhas,
,
*

Carla disse...

instalei-me com um batido de abacaxi que tanto gosto entre os dedos e saboreei as tuas palavras...complexas, mas que me fizeram introspectivar (existe o verbo?...não sei, mas diz o que eu quero).
...vou reler, porque acho que deixei imensa coisa por apreender
beijos

Nilson Barcelli disse...

Mais um excelente texto. cara amoiga, estás de parabéns pela qualidade da tua escrita.
Não venho aqui por causa do bar. Por mim, encerra-o...
Bom resto de semana.
Beijo.

Violeta disse...

Olá Gostei d evir aqui. Bonito o psot, muito boa a música.
Até amanhã

rui disse...

oi ANGEL... comentar aqui e tao dificil..acredita..facil e ouvir musica boa musica e relaxar com as bebidas que nos vais servindo....
desta vez..e eu já tinha lido quando visitas-te o meu blog e dizias deixei um sem alcool para Ti
e eu vim acorrer e depois o texto
eu a nora a rapidez de responder foi-se perdendo..porque Eu gosto de escrever...Eu gosto de entender..
Mas Tu sabes que aqui..é onde Eu sinceramente dou cabo da minha cabeca..mas nao desisto..isso nao... cá vai o meu raciocinio..vais te rir.... acontece........
O carnaval que viste nao e ra aquilo que desejavas..tinha pouca "cor" para os teus gostos..por alguns instantes até foste em pensamentos a epocas a tras onde os Fariseus!....dávam migalhas ao povo
e hoje os novos Fariseus!.os poderosos väo fazendo o mesmo..
Puxa Angel este teu carnaval e mesmo complicado.......
nao podias ter colocado outro texto
ainda por cima a princesa levava uma pistola....coisa que nunca tive
..meus pais nunca me deram uma pistola de prenda... Mas vou-te confessar..Eu inventa..e até dava tiros imaginativos pum pum..normalmente acertava nós bonequinhos que tinha no chao.. do quarto...... coisas de crianca...
Näo ligues se quiseres......mas eu tambem gostei de saber que a tua tucha tava furada.......lololol
espero sinceramente que para o ano
escreves um texto mais acessivel..para eu nao ter que racicionar tanto...........
Te desejo um bom fim de semana
tudo bom ........e podes demorar a colocar outro texto...que eu nao me importo........
um beijinhoooooo
Rui

angel bar disse...

Olá a todos, após o comentário do Rui senti necessidade de vos dizer:ESTE CARNAVAL, NO CORTEJO DAS ESCOLAS, VI MESMO UMA MENINA MASCARADA DE PRINCESA CARREGANDO UMA PISTOLA...

Era uma pistola de brinquedo mas passou-me tudo pela cabeça, inclusivé lembrei-me do que já escrevi aqui neste blog: "Qual o mundo que deixaremos para as crianças de hoje, para as que ainda nascerão? "...

Bem Haja a Todos

Sofá Amarelo disse...

Escrevamos com magia, escrevamos com alma, escrevamos com sentido, escrevamos sempre - é que se escreve que vale, não o que se diz...

Escrevamos e vivamos cada letra, cada palavra, cada dádiva do pensamento... a Vida vale por si... usemo-la a 100 por cento!!!

Amarísio Araújo disse...

Angel,

Não vou aceitar o drink,mesmo o sem álcool.Já me embriago com o seu testo,esta sua bela crônica de um carnaval que atravessa o tempo,
que se mistura às lembranças várias de uma vida que segue desfilando por aí.

Saio embriagado e feliz,já pensando nas próximas palavras que beberei daqui.
Uma linda noite de domingo e uma ótima semana pra você.
Beijos.

Amarísio Araújo disse...

corrigindo:é texto,obviamente,e não testo (erro de digitação).

Mαğΐα disse...

As palavras têm poder, têm magia... e as tuas palavras foram resumidas numa só frase, na ultima... "Uma princesa de pistola na mão..." O remate perfeito para um texto xheio de alegorias... como se de uma longa metragem se tratasse...

Beijo

Anónimo disse...

E sempre tempo bem passado aqui no "bar" ! :D

Mais uma vez, um bom texto.
Que sejam sempre assim, ou melhores ainda porque de ti e bem possivel! :D
Sempre a subir! :D

Cumprimentos!

- Moisés Correia - disse...

Tocavam os raios ensolarados e madrugadores
Nas vastas planícies, terras por conquistar…
Do chão brotavam vidas e esperanças de amores
Colhidas por ninfas ao som de flautas, a dançar

Mas nessas terras, também corriam ventos de tirania
Trazidas por lordes e senhores de um Rei ditador…
Cobrando liberdade a um povo que por ela ardia
Forçados às leis impostas pelas espadas, suor e dor

Um resto de uma agradável semana!

Bem-haja!

O eterno abraço…

-MANZAS-

Jorge Vieira Cardoso disse...

Dia Mundial Da Poesia

“Dúvidas de Fronteira”

Quem sou aqui neste palco onde se debatem palavras?
Quem sou nesta cidade onde a temperatura oscila vocabulários de rosas?
Quem sou eu nesta primavera contrafeita de vontades eufóricas?
Serei o poeta que nas dunas silencia o sol à espera da lua?!
Ou serei tão-somente o enxame de mil abelhas domesticando as frases?!

beijo terno...

bsh disse...

Que neste Dia Mundial da Poesia os seus versos floresçam e brotem para o mundo com uma mensagem de esperança e felicidade.

http://desabafos-solitarios.blogspot.com/

Luis Ferreira disse...

Um profundo texto, servido por uma deliciosa bebida.

Mais uma vez... estás de parabéns pela qualidade que aqui é espelhada nas palavras.

Com amizade
Luis